Sempre fui péssima pintando as unhas.
“Preencha os cantinhos.” “Limpe a linha da cutícula.” “Limpe levemente o topo para não descascar.” Tudo parecia tão complexo, que eu demorava horas até cumprir todos os requisitos para os dez pobres alvos do meu pincel furioso. Quando finalmente conseguia, como um atleta cansado após sua exaustiva maratona, eu suspirava fundo, estendia meu trabalho diante de mim e…
Borrava uma.
E então tudo recomeçava. Porque, enquanto estava tentando consertar a primeira, borrava as demais, ou deixava com a cor mais forte tentando cobrir um buraco, ou acumulava gromos por encher demais o pincel. O estrago ficava ainda maior, à medida que eu ficava mais impaciente, e, no final, apenas metade se salvava.
Até que um dia, tudo mudou.
Dessa vez, eu tinha um plano. Eu pegaria o duende-das-unhas-borradas de surpresa. Peguei os vidros de esmalte feito munição, estalei o pescoço e, obstinadamente, comecei o trabalho. Pintei todas as unhas da forma que costumava fazer e, conforme esperado, o duende atacou. Mas, nesse dia, eu reagi diferente. Encarei com firmeza a rebelde que havia perdido sua lasquinha de tinta e disse: “você vai ser a unha borrada”.
Sorri, terminei o trabalho e segui a vida.
Aquela decisão me poupou tempo e energia, e deixou a tarefa muito menos cansativa daquele dia em diante. Todas as vezes que eu pintava as unhas, esperava que uma delas ficasse imperfeita, e a batizava de “a unha borrada”. Eu aceitei que não conseguiria ter as dez perfeitas, então fiquei feliz pelas nove intactas e aceitei a décima, cheia de personalidade, que nunca sairia da forma que eu esperava.
O resultado foi tão bom, que comecei a aplicar isso em todas as outras áreas da minha vida.
Como alguém autodestrutivamente perfeccionista, era difícil encontrar prazer em qualquer tarefa, mesmo as que eu mais amava fazer, porque nada nunca estava bom o suficiente. A escrita era um bom exemplo disso. Eu decidia mudar uma pequena cena do livro porque talvez os leitores não entendessem, e então uma frase lá na frente perdia o sentido, e depois de alinhar as duas coisas, tal personagem soaria irritante demais… E, assim, eu estava sempre me preocupando exageradamente e sempre precisando consertar coisas, sem nunca sentir que o trabalho estava terminado.
Eu precisava aceitar que uma das unhas ficaria borrada.
Eu precisava entender que alguns diálogos seriam mal-interpretados. Que alguns personagens seriam odiados. Que algumas pessoas abandonariam o meu livro.
Que talvez o texto que escrevi na faculdade tenha algum erro de ortografia, mesmo que eu o tenha revisado. Que talvez a comida que fiz hoje tenha ficado um pouquinho salgada, mesmo que eu tenha me esforçado para seguir a receita. Que eu posso ter pronunciado errado alguma palavra estrangeira enquanto fazia um pedido na cafeteria. Posso ter adotado uma opinião errada antes de ouvir os dois lados da história. Posso ter saído com a etiqueta grudada na camisa. Posso ter derrubado sorvete na minha roupa enquanto tentava causar uma boa impressão.
Isso não é uma desculpa para ser desleixado ou negligente com erros. É um convite para viver uma vida mais leve, mesmo que você tenha cometido o “terrível” ato de ser um humano.
Se você fez o melhor que pôde e ainda assim acha que não está perfeito, é porque você atingiu o limite que o duende-das-unhas-borradas permite. Fique feliz pelas nove perfeitas. E tenha paz com a décima que você não pode mudar.
Tem uma música do Chris Renzema, chamada Hard Drugs, que se tornou minha oração pessoal, porque eu a acho sábia demais. A tradução é assim:
Me dê paz para aceitar as coisas
Que não posso mudar
E coragem para mudar as que eu posso
E sabedoria para discernir
A diferença entre as duas
Porque o que eu não posso
Eu sei que podes fazer
Eu desejo que você trabalhe, estude, e faça tudo com esmero e dedicação. Mas nunca deixe que isso se torne um fardo tão grande que tire a alegria do que você está fazendo. Seja gentil com você e não se cobre demais por coisas que não estão sob o seu controle.
Às vezes, isso é como aquela unha que sempre fica borrada. :)
Seu texto me fez pensar sobre contentamento, estar feliz em oferecer o seu melhor, mesmo que ele não seja o "ideal".
Muito necessário. 🤍